Numa palestra em 1991, John Cleese (Monty Python) citou 5 maneiras de atingir um estado receptivo à expressão criativa:
1. Espaço - Para se concentrar e se distanciar das interrupções, pressões, distrações, etc.
2. Tempo - Estipular um período de permanência nesse espaço para que as ideias possam surgir e se desenvolver.
3. Tempo - Sim, de novo. Dar à mente mais tempo para maturar essas ideias além da solução mais rápida ou óbvia, sabendo suportar o desconforto (ou ansiedade) que paira enquanto ela liga os pontos.Isso pode levar dias. Dormir, viver outras coisas e estar atento às sincronicidades dos dias ajuda nesse processo de deixar as sinapses agirem sem se sentirem observadas.
4. Confiança - Criar é brincar, brincar é experimentar e experimentar incorpora erros tanto quanto acertos na construção de algo. Trocar o medo pela disposição de errar.
5. uma cinturinha fina Humor
É sobre os itens 2 e 3 que vamos falar hoje.
"Um artista precisa de tempo livre, tempo para não fazer nada. Defender nosso direito a esse tempo exige coragem, convicção e determinação. Essa necessidade de tempo, espaço e silêncio vai dar à sua família e aos amigos a impressão de que você está querendo se afastar deles. E é isso mesmo" - Julia Cameron
A gente criou o hábito de associar tempo a produtividade. Otimizamos o tempo de trabalho e até o tempo de descanso, tudo para poder voltar ao trabalho mais produtivos. Mas que tal olhar isso por outro ângulo?
Gosto do paralelo que a Jenny Odell faz entre lugares e pessoas: espaços considerados comercialmente improdutivos nos centros urbanos, como praças, jardins e prédios históricos, estão sempre sob ameaça, pois o que eles “produzem” não pode ser facilmente medido, explorado ou identificado pelas métricas capitalistas, muito embora qualquer um seja capaz de descrever os benefícios que esses lugares proporcionam. Segundo ela, existe hoje uma disputa semelhante em andamento, uma colonização do “Eu” pelas ideias capitalistas de produtividade e desenvolvimento.
Não existe métrica neutra
Acontece que produtividade é uma ideia. Pode até ser expressa por números, gráficos e planilhas, mas como conta Rutger Bregman, a simples escolha do que medir - e principalmente do que ignorar - já é influenciada pelas nossas próprias hipóteses e preconceitos. Isso vale para o PIB, a Felicidade Interna Bruta, o IPG/IBES, etc.
Talvez isso explique porque quanto mais economistas afirmam que a tal “economia” vai bem ou que essa entidade abstrata chamada “mercado” está satisfeita, mais vejo gente sem casa, casa sem gente e gente com fome. Não devia ser o oposto?
"O PIB mede tudo, menos aquilo que faz a vida valer a pena" - Robert Kennedy
A árvore inútil
Esse conto atribuído a Chuang-Tzu traz uma excelente metáfora sobre a utilidade da inutilidade enquanto estratégia de sobrevivência e recusa. E é o completo oposto de um outro conto arbóreo, porém ocidental, que é A árvore generosa.
Nem vício nem luxo
Todos precisamos dessa “dose diária de desocupação”. O ócio, que já foi usado como argumento para não reduzir as jornadas insanas de trabalho de 74 horas semanais sob o argumento de que as pessoas não saberiam lidar com direito a voto, salário decente e tempo para o lazer; hoje é tratado como privilégio.
Mas lazer e tempo livre não são nem vício nem luxo, e sim direito e necessidade de cada pessoa, artista profissional ou não, que deveria poder, como exemplifica Karl Marx, “caçar de manhã, pescar à tarde, cuidar dos animais ao anoitecer e discutir com um olhar crítico no jantar… sem nunca ter que se tornar caçador, pescador, pastor ou crítico”.
O que me incomoda na ideia de "ócio criativo" é essa tentativa de espremer produtividade intencional até desse momento que deveria permanecer fora do radar de qualquer pressão ou expectativa.
"Produtividade é para robôs. Os humanos são bons em perder tempo, experimentar, brincar, criar e explorar" - Kevin Kelly
Por último, mas sempre bom lembrar:
Faça um favor a todos nós e não romantize a exaustão.
"Hoje, trabalho e pressão em excesso são símbolos de status. Reclamar que está trabalhando demais é, com frequência, uma tentativa velada de se mostrar importante e interessante" - Rutger Bregman
Jabá da semana
Um monólogo em homenagem à mãe dos fundadores da Dona Zefinha, #OiMãezinha é o novo espetáculo do grupo. Transmissão ao vivo e online dias 27 e 28 de março (sábado e domingo) às 20h. O link pra acompanhar essa estreia vai ser divulgado nessa quinta pelo perfil deles no Instagram.
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Caio Castelo toca, escreve e produz
Acesse caiocastelo.com para ouvir, ler e assistir mais
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