Copy
newsletter#8 a palma da sua mão

O email chegou na pasta de spam ou promoções?
Clica e arrasta pra sua caixa de entrada :)
Nunca vi sentido na ideia de conhecer algo “como a palma da mão”. Provavelmente por que não conheço essa parte específica do meu corpo tão bem assim e certamente não a reconheceria numa foto, por exemplo.

Essa expressão parte da ideia de que todos estamos com a atenção voltada para uma mesma coisa, que pode servir como referencial para todas as outras. Mas, num mundo em que as mãos têm cada vez mais tendinite e lesão por esforço repetitivo por estarem ocupadas demais segurando smartphones para se esquivar do acaso, do desconhecido e do não-planejado; essa ideia de referencial comum não tem exatamente prosperado.
 

"O mundo físico é nosso principal ponto de referência em comum. O fato de comentar sobre o clima ser um clichê de conversa fiada é, na verdade,  um profundo lembrete disso" - Jenny Odell
 

Por ter crescido com rádio e tv, admiro quem é capaz de consumir os streamings de hoje sem antes precisar gastar meia hora ou mais da própria existência decidindo em qual das inúmeras alternativas depositar as esperanças. Como excesso de opções me paralisa, prefiro me expor a algo de procedência duvidosa de que posso ou não vir a gostar. Como um goleiro na hora do pênalti: se conseguir pegar algo, ótimo; mas caso não, ninguém contava com isso mesmo.

Sim, isso mostra um certo apego besta a velhos hábitos. Mas no mundo à prova de acasos que construímos, em que todos estão se movendo sem quase nunca se encontrar e cada qual vê o mundo através da sua própria bolha feita sob medida, qualquer possibilidade de alguém ser surpreendido, desafiado ou transformado diminui drasticamente se não tivermos nossas próprias estratégias de fuga. Não do tipo que “sai de”, mas do tipo que “vai de encontro a”. Sempre com aquela expectativa do goleiro, e eu sou daqueles que pulam antes do chute, tentando adivinhar o lado.

É a diferença entre as descobertas da semana do Spotify e ouvir rádio, por exemplo. As recomendações me entregam o que sabem que me agrada, baseada pelo padrão de escuta que mantive durante um certo período de tempo, e reafirma aquele ciclo quanto mais ele ocorre. Nesse cenário, "seja você mesmo" significa mais algo como "seja você mais vezes, até se tornar um padrão consistente e reconhecível, sem ambiguidades ou contradições, para que nós possamos capitalizar seus desejos e impulsos". Tenso :)

No rádio, sou exposto a uma série de variáveis e a um gosto mais dinâmico, trazidos justamente pelas limitações que esse meio tem. Acabo ouvindo alguma música ou gênero de que não gosto reiteradas vezes, até que começo a pensar que aquilo não é de todo ruim e ocasionalmente incorporo algum elemento ou mesmo todos às minhas influências. Não vejo isso como lavagem cerebral, mas como um processo constante que molda gostos e estéticas, coisas que realmente não deveriam ser estáticos. Até meramente conhecer algo, mesmo sem jamais gostar, tem seu valor. Cada rádio também tem aqueles lugares onde o sinal não chega direito, te obrigando a mudar pra outra estação e deslocar mais uma vez a escuta. Isso sempre me fascinou.

 

"A diferença não deve ser meramente tolerada, mas vista como uma fonte de polaridades necessárias. É somente dessa maneira que a necessidade de interdependência deixa de ser uma ameaça" - Audre Lorde
 
 

Obviamente, acolher o desconhecido não significa agir inconsequentemente diante de situações novas nem viver num estado constante de entrega passiva. A questão é nos mantermos abertos ao fluxo das coisas, pois na realidade essas tais coisas reais e seus limites são muito mais fluidos e indefinidos do que nossa necessidade cognitiva de organização e categorização gosta de acreditar.

E assim também somos nós, determinados não por qualidades inatas ou essenciais, mas pelas relações que estabelecemos com os outros e com o mundo. Afinal, iguais ou diferentes, estamos todos juntos aqui e, embora tenhamos um palpite ou outro, não sabemos exatamente por quê.



Jabá da semana
- Já mencionei em edições passadas e provavelmente vou mencionar mais vezes, mas é que o livro da Jenny Odell tem sido uma das melhores leituras que fiz ultimamente. Inclusive, devo admitir que a newsletter de hoje foi completamente inspirada pelo capítulo 5, “Ecologia de estranhos”.

- A Céu tem feito alguns vídeos no canal dela no Youtube falando sobre a vida, novos projetos e etc. e esse mais recente, sobre música jamaicana, tá cheio de referências bastante inspiradoras. 

- Essa semana participei do Conversa entre nós, junto com Orlângelo Leal, Cia Laguz e Silvia Helena.

- Uma retrospectiva em texto e sons, do ponto de vista de um engenheiro de áudio, sobre o artista em constante transformação que foi o David Bowie.

 
Caio Castelo toca, escreve e produz
Acesse caiocastelo.com para ouvir, ler e assistir mais
spotify
youtube
instagram
facebook
site






This email was sent to <<Email>>
why did I get this?    unsubscribe from this list    update subscription preferences
Caio Castelo · Rua Pereira Valente, 1089 · Meireles · Fortaleza, Ce 60160-250 · Brazil

Email Marketing Powered by Mailchimp