Sabe aquela sensação estranha que dá após repetir várias vezes a mesma palavra? Após algumas repetições, ela parece perder seu significado. Esse fenômeno, conhecido como saturação semântica, ocorre quando o cérebro passa a processar a repetição insistente como algo menos importante e sem contexto. Assim, perdemos momentaneamente a capacidade de relacionar aquele som à coisa do mundo real que ele nomeia.
Ou quando somos crianças e voltamos mais cedo da escola por algum motivo. A casa, naquela hora do dia daquele dia da semana em que normalmente nunca estamos, parece um lugar completamente diferente pelo simples fato de ser tudo igual, exceto uma coisa: o contexto.
"A realidade se torna infinitamente estranha quando olhamos para ela e não através dela"- Jenny Odell
No que você está pensando?
Façamos um exercício. Anotar as dez primeiras coisas que aparecem no feed da sua rede social (vale qualquer uma). Por exemplo, isso foi o que apareceu no meu Instagram:
• Algo sobre o GP de Fórmula 1;
• Alguém parabenizando Erasmo Carlos pelo aniversário;
• Uma citação de Lacan sobre desejos;
• Fotos da Acrópole de Atenas;
• Uma resposta a uma declaração problemática da Juliana Paes;
• Selfie de alguém tomando um suco (mas querendo biscoito);
• Um texto sobre o Dia Mundial do Meio Ambiente;
• Uma notícia sobre vacinação;
• Um haicai.
Vários assuntos, e alguns até bem importantes. Mas, devido à ausência de algum contexto que gere qualquer mínima conexão entre eles, o todo é um absurdo frenético e entorpecente que não faz sentido algum. E vamos ser sinceros: ao deslizar o feed infinito, somos tragados por bem mais que apenas dez postagens. O que fica depois disso tudo? É o que a especialista em mídias sociais Danah Boyd chamou já em 2013 de “colapso do contexto”.
Esqueceu sua senha?
A meu ver, um dos maiores desafios ao se criar em meio à instantaneidade sem passado nem futuro desse hoje inerte é procurar se manter consciente do próprio contexto na maior parte do tempo - ao invés de se deixar descontextualizar a todo momento.
Tempo e espaço são duas âncoras importantes da nossa existência. Não à toa, falar sobre o tempo, se vai chover, se faz sol, etc. é universalmente reconhecido como o que há de melhor em matéria conversa fiada.
À medida que dedicamos uma parte cada vez mais significativa de nossos dias - e vidas - a experiências que esvaziam nossa percepção sobre a ordem dos eventos e nosso entorno, tão importantes para nos situarmos no mundo; os denominadores comuns que nos permitem interagir uns com os outros passam a oscilar entre a mediocridade e a hostilidade. Soa familiar?
"Para mudar um hábito é preciso estar consciente dele, motivado a mudar e ter uma estratégia para substituí-lo"- Patricia Devine
Arrasta pra cima
O modelo comercial de redes sociais como o conhecemos hoje ainda pode ser bastante aprimorado, pro bem ou pro mal. Para pensar mais sobre esse tema, indico:
• O livro do Jaron Lanier;
• A série documental Q: No olho da tempestade e o documentário Fake Famous, na HBO;
• A fala da Danni Suzuki no TEDx Talks;
• Os documentários O Dilema das Redes, Coded Bias e Privacidade Hackeada, na Netflix;
• E esse vídeo do Fabio Porchat, pra encerrar fazendo graça.
até semana que vem :)
|
|
Caio Castelo toca, escreve e produz
Acesse caiocastelo.com para ouvir, ler e assistir mais
|
|
|
|